Refluxo e Regurgitação em Anestesiologia Veterinária: Mecanismos, Riscos e Considerações Clínicas
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Artigo escrito com base nos conhecimentos de Dawn Sheppard.
Traduzido e adaptado por Larissa Sparaga - CRMV 15849.
INTRODUÇÃO
O refluxo gastroesofágico e a regurgitação são eventos frequentemente subestimados na prática anestésica veterinária, embora possam acarretar complicações significativas -especialmente em procedimentos prolongados ou em animais predispostos. Essas condições envolvem o retorno do conteúdo gástrico pelo esôfago e, em casos mais graves, sua progressão até a faringe e as vias respiratórias. A identificação precoce e o manejo adequado são fundamentais para prevenir consequências como laringoespasmo e pneumonia por aspiração.
1. Fisiopatologia do Refluxo Gastroesofágico
O refluxo consiste na migração do conteúdo gástrico para o interior do esôfago, podendo ocorrer tanto em ambiente ácido (pH <4) quanto alcalino (presença de bile, pH > 7,5). A bile, de coloração amarelada, é especialmente irritante para o epitélio esofágico e pode causar dor e, a médio prazo, estenoses esofágicas. Estudos apontam uma incidência intraoperatória de refluxo de até 67% em cães-um fenômeno muitas vezes silencioso e de difícil detecção imediata. Os sinais clínicos costumam surgir tardiamente, manifestando-se por alterações respiratórias ou taquicardia associada.
2. Regurgitação: Uma Manifestação Grave do Refluxo
A regurgitação representa a progressão extrema e perigosa do refluxo, na qual o material gástrico ultrapassa o esfincter esofágico superior e atinge a faringe. Esse conteúdo pode ser aspirado pelas vias aéreas, principalmente na ausência de proteção adequada, como ocorre em casos de intubação mal vedada.
Mesmo com o uso do tubo endotraqueal, a aspiração pode ocorrer de forma silenciosa, tornando o quadro ainda mais critico. A consequência mais temida é a pneumonia por aspiração, que pode evoluir rapidamente e aumentar significativamente a morbidade no pós-operatório.
3. Fatores de Risco e Populações Predispostas
braquicefálicos representam um grupo de maior risco devido às particularidades anatômicas das vias aéreas e à maior predisposição ao refluxo gástrico. Contudo, animais de qualquer conformação craniana ou raça podem ser afetados, especialmente sob anestesia geral prolongada ou durante procedimentos que envolvam manipulação abdominal.
4. Monitoramento Intraoperatório e Sinais de Alerta
A monitorização de parâmetros fisiológicos pode fornecer pistas indiretas sobre o início de um quadro de refluxo ou regurgitação. Episódios de taquicardia súbita, queda na saturação de oxigênio ou alterações respiratórias inexplicadas devem sempre levantar suspeita, principalmente em pacientes com fatores de risco.
5. Dispositivos Supraglóticos: O Papel do V-Gel na Prevenção da Regurgitação e Aspiração
O V-Gel é um dispositivo supraglótico desenvolvido especialmente para espécies como gatos e coelhos, cuja anatomia dificulta a intubação orotraqueal tradicional, tendo a sua versão para cães, também. Diferentemente do tubo endotraqueal, o V-Gel não atravessa as cordas vocais nem entra na traqueia, sendo posicionado na faringe, para vedar a glote com precisão anatômica.
Sua vedação eficaz impede que o conteúdo de um eventual episódio de regurgitação alcance as vias respiratórias inferiores, oferecendo uma barreira protetora adicional contra a aspiração. Essa característica toma o V-Gel uma opção valiosa em casos com maior risco de refluxo ou quando se busca minimizar o trauma da intubação.
Além disso, o V-Gel está associado a major conforto no pós-operatório: os pacientes apresentam menor incidência de tosse, ausência de estridor e recuperação anestésica mais tranquila. Esses benefícios tornam o dispositivo uma alternativa promissora à intubação convencional, especialmente em procedimentos de curta duração ou em pacientes com maior sensibilidade laríngea.
QUADRO COMPARATIVO: Tubo Endotraqueal x V-Gel

CONCLUSÃO
O refluxo gastroesofágico e a regurgitação durante a anestesia veterinária são eventos clínicos relevantes, com potencial de impactar diretamente a segurança e o desfecho dos procedimentos anestésicos. Embora frequentemente silenciosos, esses eventos podem resultar em complicações graves, como aspiração pulmonar e lesões esofágicas, especialmente em pacientes de maior risco ou submetidos a cirurgias prolongadas.
O conhecimento aprofundado da fisiopatologia, associado à identificação precoce de sinais indiretos e à adoção de estratégias preventivas como o uso de dispositivos supraglóticos como o V-Gel, contribui significativamente para a redução da morbimortalidade anestésica. A escolha criteriosa entre os métodos de via aérea deve considerar não apenas a eficácia da ventilação, mas também o conforto pós-operatório, a anatomia do paciente e o risco individual de refluxo.
Portanto, a abordagem individualizada, baseada em evidências e no conhecimento técnico atualizado, é essencial para garantir maior segurança anestésica e melhores resultados clínicos na medicina veterinária.








